"Em agosto de 1890, a revista parisiense
Art et Critique publicou o artigo assinado pelo jovem pintor de vanguarda Maurice Denis que continha a frase que muitos historiadores da arte e críticos consideram o primeiro enunciado da arte moderna: "devemos lembrar que uma pintura - antes de ser um cavalo na batalha, ou uma mulher nua ou algum tipo de narrativa - é uma superfície plana coberta de pintura organizada numa certa ordem".
Dois anos antes, sob influência de Paul Gauguin, Denis havia participado da fundação do grupo
Les Nabis ( que em hebreu significa "profetas"), ao qual também pertenceram Bonnard, Édouard Vuillard, Aristide Maillol e Paul Sérusier, todos estudantes da mesma academia - a Julian. No ano seguinte, um influente crítico afirmava no
Mercure de France, a mais importante revista da época, que esses jovens seriam "os mestres de amanhã", mas menos de 20 anos depois, fauvistas e cubistas os relegaram a meros antecedentes do movimento que se chamou de "pós-impressionistas". E o maior e melhor de todos os
Nabis, Bonnard, mergulhou num longo período de marginalização crítica.
Muitos dos contemporâneos de Bonnard - de Renoir a Matisse - o consideravam um igual. Outros, como Picasso - que certa vez disse que a obra de Bonnard era um "pot-pourri de indecisões" - o consideravam um anacronismo vivente , uma imperdoável prolongação do passado (bom sinal, porque Picasso só atacava aqueles que temia como rivais). à propósito disso, Henri Cartier-Bresson, contemporâneo de PIcasso e Bonnard disse:
[...]"You know Picasso didn't like Bonnard, and I can imagine why, because Picasso has no tenderness. [...] To me, he [Bonnard] is the great painter of the century. Picasso was a genius, but that is something quite different." Mas seria exagero dizer que Bonnard foi ignorado. O MOMA, em 1947, ( ano de seu falecimento) fez uma grande retrospectiva para celebrar seus 80 anos, livros e monografias sobre o artista foram produzidos em quantidade e figuras de credenciais modernistas como Francis Bacon admitiram, publicamente, sua influência.
Bonnard não é um mestre de seu tempo no sentido de Leonardo, Rubens, Delacroix ou Picasso o foram nas suas respectivas épocas. Bonnard só é um mestre do século 20 no mesmo sentido de Cézanne (apesar deste ter morrido em 1906). Como ele, primeiro foi classificado pelas amizades de juventude, e logo como um excêntrico. E o mal-entendido durou longo tempo porque ambas as observações eram corretas, mas não suficientes para entendê-los. Cézanne foi considerado um incompetente; Bonnard, um passadista. Na realidade, os dois artistas trabalhavam fora do arcabouço arbitrário da cronologia crítica. Após uma breve miitância de vanguardas em sua juventude, ambos passaram a pintar para eles mesmos e não para sua época. Bonnard, como outros de sua geração, sofreu diretamente com a hegemonia que a revolução modernista conquistou entre críticos e historiadores.
Falando dos quadros de Vermeer, Proust escreveu que "qualquer que tenha sido o gênio que os tenha recriado, são sempre a mesma mesa, o mesmo tapete, a mesma mulher". Bonnard, que tinha na parede de sua casa uma reprodução de Vermeer, deve ter-se reconhecido na observação de seu amigo, inclusive porque como Proust, Bonnard, a partir de um certo momento , deixou tudo para recolher-se e reconstituir na sua obra lembranças de uma intensidade similiar às do
Tempo Perdido .
Uma empregada de Bonnard contava que ele jamais pintava imediatamente as flores que ela trazia. Esperava que ficassem secas e as pintava em todo seu esplendor de memória , como tudo que pintou. O que confirma outra testemunha, uma modelo, a quem Bonnard pedia que não ficasse quieta, para depois pintá-la pairando no tempo, numa imobilidade que não era apenas a de pintura, mas a de uma imagem que fica na memória como uma epifania.
Numa das raras e memoráveis definições que fez de seu trabalho, Bonnard disse:
"gostaria de mostrar o que a gente vê quando entra numa casa de repente". Poucos pintores da história da arte conseguiram realizar mais plenamente um objetivo estético. É nisso que reside a grandeza íntima e recolhida de Bonnard. O conjunto de sua obra deixa ver com clareza o longo trabalho de depuração, de contínuo despojamento que marca a trajetória de Bonnard à margem da multiplicidade revolucionária de tendências e escolas artísticas da primeira metade do século 20.
O jovem dândi do final do século 19, torna-se aos poucos um obstinado visionário do absoluto. O curioso de seu percurso é que, como Proust, precisava olhar para trás. Um detalhe importante: esse irreverente vanguardista "descobre" o impressionismo tardiamente. Mas adiantou-se aos cubistas e chegou a antecipar o abstracionismo. "A cor tem uma lógica tão forte quanto a da forma" é um de seus aforismos. O fato de ter retido os elementos iconográficos de seus antepassados impressionistas - paisagens esplendorosas, interiores banhados de luz, mulheres tomando banho - é algo evidente. A influência da fotografia, da qual aprendeu como Degas, o enquadramento arbitrário, também fica clara. Bonnard era diferente. E o que o diferencia é o uso que faz desses elementos.


Duas telas feitas em 1900:
Siesta e
Woman with black stockings
La lettre (a carta) - 1906
National Gallery of Art, de Washington
Uma das obras mais conhecidas de Pierre Bonnard.
Model in backlight 1907
La chambre verte 1909
La nappe à carreaux rouge ou
Le déjeuner au chien1910