AS MENINAS
Ferreira Gullar em Relâmpagos (Cosac& Naify)
O quadro está de costas e está de frente: de costas para você (que o vê por trás ao lado esquerdo) e de frente para Velásquez que o pinta. Mas a verdade é que está de frente para você e já pintado. Aliás, desde 1656. Não obstante, Velásquez (você o vê) o está pintando. São dois espaços do tempo numa mesma superfície de tela.
Aparentemente, você está atrás do quadro e de frente para o pintor, que tem ao lado o seu motivo: a infanta e as damas de companhia, que ele pinta. Mas não as pinta diretamente: pinta a imagem delas refletida no espelho – um espelho que não se vê, de cuja existência se sabe apenas pelas coisas que reflete: o pintor, as meninas e as mulheres, o cão e também, lá no fundo, um homem que se detém numa escada; ao seu lado, refletidas num outro espelho pequeno, as imagens do rei e da rainha, que entraram na sala, no outro extremo do aposento, fora de nossa vista. Assim, o quadro contém o que se vê e o que não se vê, num jogo de espelho e de espaços e tempos. É o quadro dentro do quadro, imagens de imagens. Realidade e ilusão que se confundem. Miragem, pintura...
Um momento da vida, mínimo episódio da história humana – pessoas que, numa sala, posam para um pintor que as retrata - ali na Espanha, num certo dia do século XVII. E parece uma visão irreral esta cena real (com sua luz doce) que Velásquez fixou na tela para sempre. Mas que na vida, se desfez naturalmente em seguida, como qualquer outra, entre palavras e risos.
Um comentário:
Achei o comentário, bastante esclarecedor na verdade. Agora pude entender melhor a tela em sua riqueza de planos que se sobrepõem.
Muito bom, muito curiosa para ler o livro. Obrigada Beth, bjsssss
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