domingo, 22 de julho de 2007

Manet/Victorine







Portrait of Victorine Meurent
Museum of Fine Arts, Boston, USA
(ela já usa no pescoço a gargantilha preta que se tornará sua marca registrada)


Esta tela foi pintada por Édouard Manet, em 1862, reproduzindo aquela que seria sua modelo constante por mais de dez anos - Victorine Meurent - uma francesa oriunda de uma classe diferente daquela de Manet, onde havia poucas esperanças de um futuro brilhante.
Ousadia, alegria e auto-confiança talvez fossem suas características mais evidentes.
Victorine nasceu em Paris, em fevereiro de 1844 (tinha, portanto, 18 anos quando pousou para esta tela), na rua que hoje se chama Popincourt, que fica no 11º Arrondissement.
A área, na época, era ocupada por trabalhadores sobrecarregados de filhos e vivendo de salários inadequados ...
O pai de Victorine era uma espécie de entalhador e talvez fosse empregado de uma fábrica que produzia bases de bronze para obras de arte. Assim, consciente de que seu futuro seria nada diferente do que ser uma cortesã - e isto se tivesse sorte de conhecer o homem certo - lançou-se como modelo para os pintores da época. O pintor Thomas Couture, que era cliente na fábrica onde o pai de Victorine trabalhava, foi para quem ela pousou pela primeira vez e foi talvez através dele que conheceu Édouard Manet. Ou então Manet a conheceu num dos salões de bailes, onde as classes se misturavam tranquilamente - isto é, os homens de classe alta se misturavam às mulheres de classe baixa. Esses bals populaires eram locais conhecidos para se encontrar mulheres não comprometidas, ou pelo menos disponíveis : não necessariamente prostitutas, mas sim jovens cuja virtude representasse um preço pequeno em troca da oportunidade de conhecer um homem com mais recursos e modos melhores que os trabalhadores locais e que estivessem prontas a desempenhar uma gama de serviços, de modelo à amante.
Se houve ou não um envolvimento diferente do que a de modelo&pintor entre Manet e Victorine não se sabe. O fato é que ela despertou um grande fascínio sobre ele. Manet pode jamais tê-la amado mas ela, claramente, excitava sua imaginação. Victorine parece também ter afrouxado os vínculos entre ele e o decoro burguês: um homem da posição social de Manet teria poucas ocasiões de conhecer mulheres como Victorine pois jamais abandonou seus hábitos de classe alta. Ela foi mais que um simples capricho de Manet pois ele a pintou de todos os modos por mais de 10 anos, desde nua até em traje de luces de toureiro.
Vistorine lhe apresentou outros costumes, opiniões e valores. A franquesa de suas poses, o seu olhar, seu piscar e o evidente prazer que Manet sentia em moldar suas formas e feições, tudo está muito longe da moral obstinada, embora falsa, do mundo da classe alta de Manet.
Ela não era das que se preocupassem com o que os outros diziam: a hipocrisia era para ela o mais mortal dos pecados. Não é preciso muita imaginação para perceber quanto charme, frescor e integridade Manet descobriu em Victorine. Ela era um símbolo vivo das aspirações dele na arte (faire du vrai "fazer a verdade") e daquilo que ele mais tarde definiria como la vrai verité, "a verdadeira verdade".



Por volta de 1862, Manet pinta Victorine nua em Le Déjeuner sur l'herbe e depois em Olympia. Nestas duas obras Manet abraça a tarefa de misturar idéias contraditórias: o clássico e o moderno, o mítico e o contemporâneo, gênero e retrato, precisão e fluidez. Sua personalidade e sua atração pelo mundo real fazem do expectador um participante, um voyeur. Nelas, pintor e expectador, antes observadores objetivos, são fundidos, talvez sem intenção, em uma ótica voyeurística.
Le Déjeuner sur l'herbe
Musée d'Orsay - Paris

Toda a tela parece tratar da pintura, passada e presente. Todos os gêneros estão ali: o nu, figuras clássicas, retrato, paisagem, natureza morta, alegoria, vida moderna e colocando a mulher como uma Vênus, trazida para dentro de uma tela como um retrato realista. Ex-deusa do Olimpo, acessível unicamente aos heróis épicos, ela é ali a companheira escolhida dos mortais comuns, estudantes de Direito e de Belas-Artes, representados pelas duas figuras masculinas. Deusa do Século XIX, Vênus foi mais uma vez a escolha desta moderna encarnação de Páris, o príncipe troiano na forma de um pintor o que é sugerido pelo dedo apontando da figura masculina reclinada - um duplo do próprio Manet, identificado pela bengala a seu lado - acessório pessoal que ele usava regularmente.
O quadro, inicialmente intitulava-se Le Bain, uma paisagem bucólica ( o local foi identificado por alguns contemporâneos do pintor como sendo o campo da propriedade familiar dos Manet), com suas banhistas, retrata um passatempo moderno: piquiniques e passeios de barco pelo Sena, tema caro aos pintores da época. Manet, chamava-o particularmente de La Partie Carrée, com uma nítida conotação sexual, pois Partie Carrée em francês, significa troca de parceiros em jogos entre dois casais.
Na lenda, Páris elege Vênus a mais justa das deusas porque lhe dá o amor de Helena, a mais linda mortal. Estaria Manet agradecendo discretamente a Victorine por iniciá-lo nas artes de Vênus?
Até então Suzanne, mulher de Manet, é que tinha pousado para os vários estudos de seus nus.
À propósito, em 30 anos de casamento, Suzanne aparece menos de 12 vezes em toda obra de Manet, composta de mais de 400 obras, e só uma - La Lecture - pode ser chamada de importante. Já cada um dos 10 quadros de Victorine - todos vitais e intrigantes - é uma obra importante e vários deles obras-primas indiscutíveis.


Victorine a suplantou pois quem está nua, em pleno ponto focal, é ela e da realidade de sua carne não há como duvidar. Era uma figura cujo corpo tinha tudo da "mulher natural", até as nada idealizadas dobras de sua barriga.
Manet também joga com símbolos clássicos - as frutas, ostras, água, uma cesta derrubada - deixando em aberto interpretações das mais variadas, além de jogar também com símbolos sexuais. As conchas de ostras são fatalmente reveladoras, pois as ostras são tidas desde a antigüidade como afrodisíacas. Numa época em que a iconografia ainda não era uma especialidade como é hoje em dia, as conotações amorosas de pêssegos, cerejas e figos eram entendidas prontamente, assim como a cesta derrubada era identificada como significando a perda da inocência.
Até hoje estudiosos se debruçam sobre esta tela dando interpretações das mais variadas. Qualquer tenha sido a finalidade de Manet - apresentar alguma espécie de alegoria moral ou simplesmente uma alegoria da pintura ou um complexo de idéias múltiplas - sua motivação não foi uma provocação deliberada. Dizem que se surpreendeu com o alvoroço e as críticas virulentas causado pelo quadro. Le Déjeuner resultou em um succès de scandale :

-"M. Manet deseja atrair celebridade chocando a burguesia!"
-"Alguns buscam a beleza ideal, M. Manet busca, e encontra, a feiúra ideal!"
-"Se apenas aquela náide sem pejo não estivesse ali!..."
, (um crítico que viu qualidade na tela).

No balanço geral Manet foi catapultado para a celebridade, mesmo tendo transformado o nu clássico em uma mulher comum. O aspecto mais perturbador da figura era a certeza de que ela estava nua mas dali a pouco se vestiria, o que a tornava mais pelada do que nua, ao contrário do clássico, que não pode ser imaginado de modo diferente.
Manet era agora um nome a ser reconhecido. Não era o êxito pelo qual ansiava, mas o fato é que seu nome não mais evocava um olhar vazio.






Em 1863, Manet começou a pintar um nu que superasse todos os nus, como ele mesmo comentou com seu amigo Proust: "Parece que devo fazer um nu, está bem, dar-lhes-hei um nu."
E deu!
Deu-lhes carne fresca e pele negra num cenário de brancos sobre brancos e matizes carnais. Nenhum detalhe no quadro escapou das críticas. Até a flor no cabelo de Victorine não escapou das especulações "de que tipo de flor seria..." embora provavelmente não passasse de um simples hibisco vermelho.
Émile Zola, saiu em sua defesa, chamando-a de obra-prima:
"Disse obra-prima e não retiro a palavra. (...) Precisavas de um nu feminino e escolheste Olympia, a mais disponível, precisavas de focos brilhantes, luminosos e inseriste um buquê; precisavas de pontos escuros e colocaste uma negra e um gato preto num canto. Que significa tudo isso? Mal o sabes, nem eu."
Segundo os estudiosos Manet baseou sua Olympia na Vênus de Urbino, de Ticiano.

Ticiano "domesticou" sua Vênus, acrescentando símbolos caseiros como o cão adormecido (fidelidade) nº 1 , as cômodas no fundo (casamento) nº 2 e a visão de árvores (fecundidade) nº 3. O olhar dela é tímido, a mão relaxada e facilmente removível, convidando mais do que escondendo.
Olympia, ao contrário, embora também acomodada em travesseiros, está num interior fechado, o que sugere não haver saída desse tipo de de vida para este tipo de mulher. O animal a seus pés não é um gentil cãozinho de estimação mas sim um malicioso gato, símbolo de promiscuidade e independência. As flores trazidas pela criada conotam sensualidade ilícita, não casamento. O olhar desinibido para o expectador "estou vendo você olhar para mim", parece nos dizer Olympia.
Sua indiferença em relação ao presente e, especialmente, os dedos esparramados na coxa, chamando atenção para o Monte de Vênus mas expressando também a proteção do mesmo, tudo serve para demonstrar a independência dessa mulher. Ao contrário da Vênus de Ticiano esta Vênus moderna não é um objeto sexual, um brinquedo dos deuses ou dos homens, mas sim um indivíduo de autocontrole e autosuficiência. Seu corpo seja talvez, sim, um dos seus bens de escambo, mas é ela que detém todo o controle sobre este corpo. Embora cortesã, ela não é uma sórdida rameira, vítima da sociedade. A opulência de seu leito, a elegância de seus chinelos, a presença de uma criada bem vestida e o extravagante buquê indicam claramente o seu status. O que possivelmente "ofendeu" os expectadores em 1865 (quando o quadro foi exposto) é o olhar de impertinência a desafiar o homem que olha. "Podeis comprar os meus favores", ela parece estar dizendo, "caso eu decida oferecer-vo-los, mas só eu me possuo."

Olympia de Manet é a encarnação do fenômeno do século, a cortesã, a mulher que podia reclinar-se negligentemente sobre um xale caro, cujas despesas domésticas podiam exceder a cem mil francos e que vivia segundo o princípio sempre libera.
Há mais do que "estilo" em Olympia: há também o artista interpretando o mundo em que vivia. Ela é efetivamente o primeiro nu a representar a realidade moderna. O que se perdeu para sempre a partir de Olympia foi a segurança de uma iconografia que afirmasse o poder, a estabilidade e até a beleza. Onde pintores anteriores haviam retratado a humanidade divinizada em Maria e a divindade humanizada em Cristo, Manet mostra-nos que a humanidade é simplesmente humanidade. Não há deuses, semi-deuses, divindades nem heróis.

Obs.
Minha pesquisa para este tema Manet/Victorine/Olympia/Déjeuner su l'herbe baseou-se no livro ÉDOUARD MANET, um rebelde de casaca de Beth Archer Brombert publicado pela Editora RECORD.


Vênus, Odaliscas e Olympias


Vênus de Urbino - Ticiano

Vênus Adormecida - Giorgione

Lembrei de fazer uma busca nas criações dos mais diversos pintores ao longo dos tempos, das grandes musas, dentro do tema do título deste post: as Vênus, Odaliscas, Olympias e Majas.
Então, viajando ao passado, encontrei
Ticiano (1490/1576) e sua Vênus de Urbino, cuja pose é baseada na Vênus Adormecida de Giorgione(1477/1510), portanto uma Vênus mais antiga e que, confesso, desconhecia completamente. Segundo os estudiosos de arte, ela servirá de base para a Olympia de Édouard Manet.



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No caminho de volta, encontrei Diego Rodriguez de Silva y Velázquez(1599/1660) e sua maravilhosa Vênus ao espelho.


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Nos anos 1700/1800, além de Goya, merecem registro Jean Auguste Dominique Ingres e Eugène Delacroix.

Pra quem costuma ler meus posts, as já vistas Majas de Goya


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La grande Odalisque de Ingres
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As duas Odalisques de Delacroix


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Minha preferida dis-pa-ra-da: Olympia de Edouard Manet(1832/1883) que merece uma postagem somente para ela pois causou furor na época de sua criação por Manet. Aliás, farei isto mais adiante pois fiquei fascinada pela história de Victorine, que foi modelo constante de Manet e que pousou para sua belíssima Olympia. By the way, há um tempo atrás, o canal GNT passou um documentário da televisão francesa, onde recriaram a cena desta tela. Supimpa, para quem como eu, adora o assunto.


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Paul Cézanne( 1839/1906), que dizia: ""peindre signifie penser avec un pinceau" (pintar significa pensar com um pincel), deu sua versão à Olympia Moderna (1874) em sua fase romântica (1861-1870), influenciado pelos pressupostos da pintura de Delacroix e como homenagem ao seu mestre Manet, misturando humor e brutalidade, onde o gato de Manet se transforma em cão e onde um admirador de Manet/Cézanne/Olympia aparece na tela. Trata-se de uma versão barroca e violenta.


ARTEMISIA GENTILESCHI
(1593/1625)








Filha de Orazio Gentileschi, um pintor respeitado no seu tempo, Artemisia cresceu rodeada pelo "ar da arte". Mesmo sendo responsável pelo cuidado da casa e de seus irmãos pois sua mãe faleceu quando ela tinha 12 anos, sempre esteve próxima das atividades de seu pai - que reconhecia suas habilidades artísticas - auxiliando-o nas tarefas de mesclar cores e também na execução de suas pinturas.
Vivendo numa época em que o privilégio de ler e escrever era negado às mulheres, imaginem uma mulher reinvindicando para si o direito de ganhar a vida pintando!
Aprendeu a ler e escrever com seu marido e seu pai contratou outro pintor conhecido da época - Agostino Tassi - a ensinar-lhe todos os segredos da perspectiva e do desenho. Diz a história que este professor abusou sexualmente de Artemisia. No filme o fato foi contado como se tivesse "rolado uma química" entre os dois, ou seja, que o tal assédio foi consentido. Fato ou não, o caso foi para os tribunais da época e Artemisia foi submetida à tortura para provar a veracidade da acusação, denunciada aos tribunais por seu pai. Tassi foi absolvido é claro, e Artemisia continuou com sua carreira, apesar da pecha de desordeira e chegada à libertinagem...
Na época do julgamento, começa a pintar quadros com temas bíblicos de heroínas - mulheres fortes - como a história de Judith, a mulher que salva o povo de Israel do inimigo persa, Holofernes.



O tema Judith e Holofernes era muito freqüente no imaginário da época, sibolizando, muitas vezes, a morte da tirania nas mãos dos oprimidos. O que não era comum, foi o tratamento tão crú dado a imagem principalmente por ter sido criação de uma mulher... Provavelmente foi um libelo de Artemisia em favor de sua condição.

Detalhe do quadro acima. A heroína bíblica leva a cabo seu dever com tanto sangue-frio que parece querer proteger-se contra o jorro do sangue para evitar que seu vestido se manche .

A cena seguinte ao assassinato: Judith e sua fiel serva ( 1610-12) tratam de esconder a cabeça de Holofernes numa cesta para poderem fugir da cena do crime.

Lucrecia,(1621) figura mítica das origens de Roma, teria sido violada por Tarquinio Sexto, filho de Tarquinio, o último tirano de Roma. Em conseqüência do fato, para não manchar a honra da família, Lucrecia teria se suicidado, levando seus familiares e, em seguida, a população de Roma, depois de se inteirarem dos fatos, à rebelião, destronando Tarqüinio e instalando a República.

Susana e os velhos (1610) outra obra de Artemisia que mostra bem o clima sobre o qual ela viveu: acusada de vender seu corpo e de libertinagens, nesta obra, de tão perfeita que por algum tempo seus contemporâneos afirmavam ter sido feito por seu pai e não por ela, Artemisia reproduz a história da jovem que pretendendo se banhar, é surprendida por dois velhos que lhe fazem propostas "desonestas" usando argumentos econômicos e de poder. A atitude de Susana é claramente de recusa e uma acusação de Artemisia contra o abuso e agressão sexual.


No período em que esteve em Florença, a pedidos dos Médicis fez varios trabalhos. Conviveu na época com diversos artistas e cientistas como Galileu Galileu a quem consultava seguidamente em busca de assessoramento. Madalena penitente (1617) foi um dos trabalhos realizados.



Afrescos que adornam o teto do Queen's House at Greenwich (atual Maborouhg House de Londres) chamados Alegoria da Paz e das Artes. Seu pai iniciou os trabalhos mas ficou doente e Artemisia foi para Londres para auxiliá-lo. Orazio faleceu e Artemisia terminou a tarefa.


Outros trabalhos creditados a Artemisia:

Cleópatra



Danae

(sei lá... acho estas duas tão parecidas que me parece que alguém usou Photoshop e apagou alguma coisa ou acrescentou mais detalhes, fazendo outro quadro. Não parece???!)
Mas enfim, achei as duas telas com títulos diferentes.





Não. Não é nenhum nome de chá!!!
É como se chamava a primeira mulher a ser admitida numa entidade até então ocupada exclusivamente por homens: na Academia de Artes de Florença: Artemisia Gentileschi (1593/1652).

Resolvi levar Artemisia para o próximo encontro da Confraria. Conhecia até então apenas alguns de seus trabalhos. Vi o filme feito em 1977, pela diretora francesa Agnès Merlet, que conta a vida dessa heroina que venceu preconceitos e buscou seu sonho. Eu vi na tv a cabo, mas pelo que pesquisei na internet, o filme está disponível em dvd, como mostro aí ao lado, com a foto da capa do filme. Desta forma, se tiver alguém interessado, vai aí uma boa dica "de grátis".







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