Transcrevo, abaixo, texto de Ignácio Loyola Brandão no Álbum de Cartões Postais (alguns deles estão aí acima) de Alfredo Aquino, Editora Animae/1995.
"Alfredo Aquino:
onde estão os rostos da humanidade?
Um currículo talvez seja bom para se saber quando e onde o artista nasceu, o que fez e estudou, quando começou. Alguns começam muito cedo, outros tarde. No entanto, tudo isto acaba sendo simples curiosidade. Um currículo não é determinante, nem influencia sobre a visão do que se tem da obra. O que interessa é o impacto da criação, o que ela desperta, as sensações que traz. Acredito mais: importa pouco a análise crítica racional dos especialistas, permeada por termos técnicos e chavões que somente os que conhecem o código da artisticoplastia podem decifrar.
O essencial é a impressão provocada que permanece em nós, nos modifica e nos fornece nova perspectiva de mundo.
Alfredo Aquino é um artista brasileiro nascido em 1953, no sul, no Rio Grande, na sua capital, Porto Alegre. Tinha 20 anos quando chegou em São Paulo, em plena efervescência do que se conhece em nosssa história como o "milagre econômico", em plena ditadura militar. Um Brasil convulsionado, violento, com os jovens se atirando para a luta armada e sendo massacrados, com a censura amordaçando tudo, nenhuma liberdade de expressão. Foi neste campo que se criou uma geração de artistas inquietos, ansiosos, perturbados por uma angústia: até que ponto a arte pode contribuir para a libertação das pessoas.
Hoje, quando, navegamos em razoável democracia, olhamos para os quadros de Alfredo Aquino e nos perturbamos com a quase total ausência de rostos. Ou melhor, os rostos existem, mas não os traços que definem olhos, boca, nariz, queixo. Acabamos transformados em um povo sem olhos - e como é possível adivinhar a alma , se os olhos inexistem? (Não por acaso, a pequena editora de Aquino se chama de Animae). E como é possível falar, respirar, viver neste mundo sem boca e sem nariz? Aqui e ali, nem cabeça existe, o que se vislumbra é algo deformado, não humano, irreal.
Aquino retrata a perplexidade do homem dentro de uma realidade povoado por medo. O homem brasileiro tem medo da inflação, dos planos econômicos, da falta de estabilidade, dos preços, da impossibilidade de se programar o futuro, por mais próximo que ele esteja, da falta de líderes e de administradores, da voracidade do empresariado, da falta de consciência cívica de todos nós.
A inquietação não é somente brasileira. E aqui Aquino revela sua universalidade: os homens sem rosto estão por toda parte. [...] Os rostos desaparecem das pinturas de Aquino - e elas me deixam insone - do mesmo modo que os traços dos humanos desapareceram de Hiroshima e Nagaski. Num mundo cada dia mais densamente povoado, as multidões enchem as ruas e o indivíduo desaparece. O eu se cancela, tudo é coletivo. A multidão não tem rosto.
Este é o mundo que Alfredo Aquino mostra, cheio de dor e de amor pela humanidade. Com certeza ele espera que completemos estes traços que faltam. Todavia, para fazer isto, precisamos mudar. Salvar este mundo. Neste ponto a obra de Aquino é denunciadora e clama por atitudes. É o papel do Artista".
Blog de Alfredo Aquino, veja aqui
onde estão os rostos da humanidade?
Um currículo talvez seja bom para se saber quando e onde o artista nasceu, o que fez e estudou, quando começou. Alguns começam muito cedo, outros tarde. No entanto, tudo isto acaba sendo simples curiosidade. Um currículo não é determinante, nem influencia sobre a visão do que se tem da obra. O que interessa é o impacto da criação, o que ela desperta, as sensações que traz. Acredito mais: importa pouco a análise crítica racional dos especialistas, permeada por termos técnicos e chavões que somente os que conhecem o código da artisticoplastia podem decifrar.
O essencial é a impressão provocada que permanece em nós, nos modifica e nos fornece nova perspectiva de mundo.
Alfredo Aquino é um artista brasileiro nascido em 1953, no sul, no Rio Grande, na sua capital, Porto Alegre. Tinha 20 anos quando chegou em São Paulo, em plena efervescência do que se conhece em nosssa história como o "milagre econômico", em plena ditadura militar. Um Brasil convulsionado, violento, com os jovens se atirando para a luta armada e sendo massacrados, com a censura amordaçando tudo, nenhuma liberdade de expressão. Foi neste campo que se criou uma geração de artistas inquietos, ansiosos, perturbados por uma angústia: até que ponto a arte pode contribuir para a libertação das pessoas.
Hoje, quando, navegamos em razoável democracia, olhamos para os quadros de Alfredo Aquino e nos perturbamos com a quase total ausência de rostos. Ou melhor, os rostos existem, mas não os traços que definem olhos, boca, nariz, queixo. Acabamos transformados em um povo sem olhos - e como é possível adivinhar a alma , se os olhos inexistem? (Não por acaso, a pequena editora de Aquino se chama de Animae). E como é possível falar, respirar, viver neste mundo sem boca e sem nariz? Aqui e ali, nem cabeça existe, o que se vislumbra é algo deformado, não humano, irreal.
Aquino retrata a perplexidade do homem dentro de uma realidade povoado por medo. O homem brasileiro tem medo da inflação, dos planos econômicos, da falta de estabilidade, dos preços, da impossibilidade de se programar o futuro, por mais próximo que ele esteja, da falta de líderes e de administradores, da voracidade do empresariado, da falta de consciência cívica de todos nós.
A inquietação não é somente brasileira. E aqui Aquino revela sua universalidade: os homens sem rosto estão por toda parte. [...] Os rostos desaparecem das pinturas de Aquino - e elas me deixam insone - do mesmo modo que os traços dos humanos desapareceram de Hiroshima e Nagaski. Num mundo cada dia mais densamente povoado, as multidões enchem as ruas e o indivíduo desaparece. O eu se cancela, tudo é coletivo. A multidão não tem rosto.
Este é o mundo que Alfredo Aquino mostra, cheio de dor e de amor pela humanidade. Com certeza ele espera que completemos estes traços que faltam. Todavia, para fazer isto, precisamos mudar. Salvar este mundo. Neste ponto a obra de Aquino é denunciadora e clama por atitudes. É o papel do Artista".
Blog de Alfredo Aquino, veja aqui
Um comentário:
Oi Liz..
Gosto muito do trabalho de Alfredo Aquino. Ele está entre aqueles que nós não precisamos rotular nem saber onde e como aprendeu arte. Exatamente o que escreveu Ignácio de Loyola Brandão é a pura verdade. Normalmente costumamos aprender a escola do artista antes de ler a sua obra. Até hoje não sei se Iberê Camargo era um expressionista, mas sua obra sempre me comoveu. Alfredo Aquino está entre estes artistas que não necessitam rótulos. Aliás, imagino que nenhum verdadeiro artista precise.
Abraços.
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